Jornada pelo Velho Continente I

15-07-2015 21:31

É complicado ser fã de franco-belga, em Portugal? É! As séries que se deixa de seguir a meio, porque são interrompidas aqui, o bombardeamento sempre dos mesmos titulos e das mesmas séries, o atraso na edição portuguesa de algumas outras (poucas) séries que também por cá vão sendo editadas, os saltos temporais que, tantas vezes, as edições em português dão, comparativamente com a edição original, os cantos obscuros onde, tantas vezes, a BD é escondida nas livrarias, o álbuns que nem estão expostos, a para-bd que mal se encontra...

 As mecas que são Paris ou Bruxelas (entre outras), com as livrarias com muita BD, com as especializadas em BD, as especializadas em pequenas tiragens, as especializadas em edições mais raras, as especializadas em BD usada, as especializadas, também, em todo um sem número de artigos relacionados com a BD, as suas séries, os seus heróis, os prédios, murais, etc pintados com temas e personagens de BD...

Deixamos em seguida a primeira parte de um artigo de um fã de banda desenhada, cuja lingua é igualmente o português, e que mora... noutro continente.

Obrigado ao PH, por partilhar connosco as suas impressões!

 

Apesar da grave crise que toca a Europa, a França continua sendo um mercado excepcional para a difusão de banda desenhada. A cada mês, chegam às livrarias centenas de novos títulos, fato que só deve se repetir na Bélgica, país em que este fluxo seja talvez ainda mais intenso. Apesar da forte concorrência com o mangá japonês, os comics americanos e o digital, a linha franco-belga segue impávida, desafiando os prognósticos mais pessimistas em relação a este setor. O aumento de leitores mais velhos tem salvo este segmento nas últimas décadas. Há muitos anos, deixando de lado os pequenos, a Nona Arte encontra boa receptividade entre os adultos. Seus temas mudaram e agora tocam em questões sexuais, religiosas e políticas que não eram abordadas nos áureos tempos em que apenas Asterix, Spirou e Lucky Luke reinavam. Os volumes 1 e 2 de O Árabe do Futuro (Riad Sattouf), entre outros, são bons exemplos dessa tão bem-vinda modernidade na BD. 

 

Estive visitando Paris e Londres, entre os meses de junho e julho de 2015, e pude constatar toda a efervescência desta produção incessante. Fui com o objetivo de fazer matérias e gravar vídeos para o meu site, o tujaviu.com, o único espaço brasileiro da internet que dedica suas páginas, quase que exclusivamente, às HQs europeias. Formado em francês pela Aliança Francesa/Universidade de Nancy, e francófono assumido, desde criança dedico minha vida a colecionar este tipo de material, profundamente desprezado em meu país.

 

A pedido do amigo português Jorge Thorgal, escrevo um balanço a respeito de minha jornada pelo Velho Continente e listo os títulos e alguns itens colecionáveis que adquiri. Devido ao alto valor do euro, não pude fazer um estrago maior.

 

A primeira loja de BD que surgiu em meu caminho foi a BDNET, localizada na Bastilha, na Rue de Charonne, 26. Nunca havia estado lá, pois só havia ido às  livrarias de Rive Gauche, como Album e Boulinier. Valeu a pena ir até Rive Droite e conhecer o lugar. O atendimento é incrível! Enquanto gravava imagens no interior do local, entreguei a minha lista a um vendedor. Quando acabei o trabalho, quase todos os quadrinhos que desejava estavam numa pilha. Uma HQ que me chamou atenção foi uma que tem tema focado na escravidão. É um álbum de Sylvain Savoia, desenhado em um estilo ao da Ligne Claire. Se chama Les esclaves oubliés de Tromelin e conta a história de um grupo de escravos que foram abandonados em uma ilha ao largo de Madagascar, após o naufrágio do barco em que eram transportados. Por incrível que pareça, o resgate destas pessoas só ocorreu 15 anos mais tarde. A narrativa é emocionante e se passa no século XIII. Este, eu não levei, infelizmente! As edições encontradas na BDNET que entraram nas sacolas foram: o novo Ric Hochet, um integral de Les Sept Ours Nains (Émile Bravo), Robert Sax (Rodolphe, Alloing e Drac), o sul-africano The Red Monkey: dans John Wesley Harding (Joe Daily), Le Redempteur (Desberg e Lalor), Centaurus (Leo, Rodolphe e Janjetov), Les Contes Palpitans des 7  Ours Nains (Émile Bravo) e Esteban (Matthieu Bonhomme).

 

Nas filais FNAC de Montparnasse e Place d'Italie, achei Namibia (Rodolphe, Leo, Marchal), Survinats (Leo), duas pérolas de um dos brasileiros que mais alcançam sucesso na Europa. Também encontrei: Harry Dickson: Les Gardiens du Diable e o desenho animado Ma maman est en Amérique: Elle a rencontré Buffallo Bill, de Label Anim, inspirado em quadrinho de Émile Bravo. Já possuía o álbum e tinha a curiosidade de ver como ficaria sua adaptação para a animação. Não tive tempo de assisti-lo, mas penso que promete boa diversão.

Continuando minhas andanças pelas ruas de Paris, dei de cara no jornaleiro com a edição especial de BeauxArts, totalmente dedicada a Blake e Mortimer. Se chama Histoire. Mythes, civilisations... Blake et Mortimer: Face aux grands Mytéres de l'humanité. A revista tem 136 páginas, custa 8,90 euros e faz um resumo espetacular deste grande sucesso Ligne Claire de Edgar Pierre Jacobs.

Na Rubrique à Bulles, no número 110 do Boulevard Richard Lenoir, minha felicidade foi enorme. Primeiramente, consegui um tubo com todos os personagens de Lucky Luke, um pequeno foguete de Tintin, uma figurine do repórter de topete e um Marsupilami com rabo flexível. Depois, fui direto a uma maravilha que cobiçava aqui em terras sul-americanas. Das Éditions Clair de Lune, a mesma que publicou MISSION ONULes Aventures du Professeur Baltimont: Tome 1 (As Aventuras do Professor Baltimont: Vol. 1) é uma BD Ligne Claire, de Jean-Louis Aguila, desenhista de Marselha que nasceu em 1964. Neste álbum, Aguilase aproxima-se bastante da arte e forma de narrativa epresentes na série Blake e Mortimer, de Edgar Pierre Jacobs. O resultado ficou muito bom! A trama da HQ começa em 1838, no mês de outubro, quando o navio inglês La Béatrice navega em direção ao Reino Unido, carregando a bordo o sarcófago do egípcio Faraó Miquerinos. Por razões obscuras, a embarcação naufraga perto de Cartagena, na Espanha, levando a raridade arqueológica para o fundo do oceano. Já no ano de 1952, o Professor Baltimont, físico respeitado, conclui suas pesquisas sobre um gás raro, o Zargon. Misturado ao oxigênio, permite que o homem respire em profundidades abissais. Isto acaba abrindo a possibilidade para a conquista de um território inacessível e inexplorado de nosso planeta. Pensando em aproveitar esta nova tecnologia disponível, o bilionário americano Edward Hughes pede ajuda a Baltimont, no sentido de montar uma expedição para resgatar o sarcófago perdido de Miquerinos.  O volume tem 48 páginas, capa dura, peso de 425,9 gramas e preço de 14,00 €. Assim como em MISSION ONU, faz parte da coleção PETIT PIERRE & IEIAZEL.

 

Chegava então a hora de me deparar com uma loja de brinquedos antigos que fica no número 2 da Rue du Grand Prieuré, perto da estação do metrô de Oberkampf. É a Lulu Berlu. Muito bem recebido por Fred, aparentemente o proprietário, gravei um ótimo filme em seu interior e comprei figurines de IznogoudBlakeMortimer e do vilão negro de A Marca Amarela.

 

A derradeira escala do meu tour francês foi a Album da Rue Dante, onde uma novidade que chegou da Bélgica me esperava. Apesar da origem, Le Journal de Ricardo Castillo (O Diário de Ricardo Castillo) tem procedência alemã e, como não poderia deixar de ser, lembra bastante o visual de Tintin. Seus criadores são Martinez e Brodhecker. A história do quadrinho se passa na Nova França, atual Canadá, em 1749. É lá que Ricardo Castillo, judeu de procedência espanhola, é exilado. Cartógrafo e aventureiro, ele visita regiões inexploradas, até então, e encontra indivíduos de todos os continentes. Ricardo Castillo superará, uma a uma, todas as desventuras que  estão reservadas a ele. Em meio a um frio glacial do Norte, atravessando o território de caçadores, ele será transformado em herói pelo destino. O álbum traz  uma narrativa fascinante que mostrará o verdadeiro significado da amizade. Apresentando formato retangular e 48 páginas em preto e branco, a publicação leva a marca da BD Must, numa tiragem limitada a apenas 1250 exemplares, numerados e com direito a Ex-Libris autografado pelos autores. Le Journal de Ricardo Castillo custa 19,95€, sem o frete para o Brasil.

Já no aeroporto Charles de Gaulle, foi a vez de agarrar Geo Hors Série - Tintin: Les Arts et les civilisations vus par le herós d'Hergé. Não tenho palavras para descrever esta edição cartonada que mais parece um novo tomo de Tintin. Custou 8,90 euros.

 

(continua)