Eu, e ... Ric Hochet - por Mário Marques

01-05-2014 15:46

 

Ric Hochet, de Tibet e A.P. Duchateau

 

 
 
Começou a carreira como ardina, mas depressa se tornou jornalista. Por cá foi batizado de João 
 
Nuno pelo Cavaleiro Andante e por Mário João pela revista Zorro. Juntamente com o comissário 
 
Sigismond Bourdon forma uma dupla que desvenda numerosos enigmas, vivendo mais de 70 
 
aventuras, algumas de grande qualidade, e que permanecem na memória, sobretudo daqueles 
 
que cresceram e viveram a sua adolescência com a revista Tintin.
 
Trabalhando no diário La Rafale, em Paris, Ric Hochet é o protótipo do herói perfeito e positivo 
 
que a revista Tintin tanto promovia: bonito, eternamente jovem, culto, desportista (pratica quase 
 
todas as modalidades), inteligente, inseparável do seu Porsche amarelo (apesar do modelo não 
 
o acompanhar desde o início), envolve-se em constantes aventuras sempre que as circunstâncias 
 
assim o exigem, defrontando o crime organizado, homens sedentos de poder, perigosos 
 
malfeitores, inimigos do passado ou mesmo do além.
 
Tudo começa quando Tibet convence o seu amigo Duchateau a escrever-lhe enigmas policiais. Foi 
 
em 1955 que Ric Hochet surgiu como um jovem ardina que desmascara espiões, o que lhe valeu a 
 
entrada para o jornal La Rafale, onde inicia uma brilhante carreira no jornalismo de investigação, 
 
nunca abandonando algumas imagens de marca que o vão acompanhar para sempre: o penteado 
 
de risca ao lado, o seu casaco branco com traços escuros, a camisola vermelha, as calças azuis ou 
 
o Porsche amarelo.
 
Posso mesmo afirmar que, juntamente com Tintin, Ric Hochet foi a série que me aguçou a paixão 
 
pela banda desenhada, que ainda hoje perdura. Naquela altura, a revista Tintin portuguesa 
 
publicava a aventura Pesadelo para Ric Hochet, com o herói em permanente sobressalto e a 
 
tentar escapar-se dos malfeitores. Haveria melhor tema para exaltar o lado heróico que todos 
 
nós sonhávamos alcançar? Se rapidamente me apaixonei pela série, também de modo evidente 
 
e com relativa facilidade soube ver, ao longo dos anos, alguns defeitos, naturais numa série com 
 
tamanha longevidade.
 
Privilegiando sempre o registo policial, a verdade é que há incursões em domínios como o 
 
fantástico ou a ficção científica, sem contudo nunca sair do racional. Ric Hochet encontra sempre 
 
uma explicação plausível, o que acaba por ser um dos pontos de adesão dos leitores, que nunca 
 
se sentiram defraudados com alguma explicação menos coerente por parte dos autores. Por 
 
exemplo, apesar de Les Spectres de la Nuit (para mim a melhor aventura da série) ou Alerte Extra-
Terrestres não serem vulgares investigações policiais, encontramos criminosos perfeitamente 
 
humanos e guiados por motivos comuns, o dinheiro, a inveja a vingança ou a loucura. 
 
 A série acabou por conceder aos seus autores o lugar que hoje ocupam na História da banda 
 
desenhada. Tibet e Duchateau apresentaram ao longo dos anos outros trabalhos, mas foi com Ric 
 
Hochet que se tornaram conhecidos e é sobretudo pela série que hoje são recordados. A História 
 
da banda desenhada não reservou para Tibet o mesmo lugar que outros autores ocupam, como 
 
Hergé, Morris, Jacobs ou Franquin, mas o autor foi sempre um desenhador honesto, trabalhador 
 
incansável e uma pessoa de simpatia extrema. Adepto da linha clara, se bem que o seu traço 
 
irá evoluir desde os primeiros álbuns, até atingir um grafismo muito peculiar e identificativo do 
 
autor, Tibet concentrou-se sempre nas personagens, optando por entregar cenários e viaturas a 
 
colaboradores como Mittei, Didier Desmit ou Frank Brichau. 
 
Por outro lado, A. P. Duchateau nunca renegou a influência de grandes obras policiais, de mistério 
 
e suspense. Gigantes como Agatha Christie ou Alfred Hitchcok são perfeitamente visíveis em 
 
obras como Le Secret d’Agatha ou Qui a Peur de Hitchcok. 
 
E o futuro? A pergunta assume outra importância desde o falecimento de Tibet, uma vez 
 
que os autores sempre manifestaram a sua firme vontade em que a série pudesse continuar, 
 
sobrevivendo aos seus progenitores. Seguindo uma estratégia tão em voga no mercado atual, a 
 
editora prepara o regresso de Ric Hochet. Olivier Wozniak et Jean-Christophe Derrien perfilam-se 
 
como os novos autores da série, cuja ação decorrerá na época e no espírito dos primeiros álbuns. 
 
Por outro lado, fala-se numa segunda equipa que realizará episódios soltos e auto conclusivos, 
 
mas neste ponto as notícias são escassas e carecem ainda de confirmação.